A história do Cork Pot
Estou a pensar nas tartarugas. Nas tartarugas que morreram porque engoliram um saco de plástico, um saco que outrora servira para carregar compras. Descartado, caiu no rio, do rio afluiu ao mar e do mar juntou-se ao oceano. A tartaruga morreu.
Todos temos conhecimento sobre os plásticos no oceano. Sabemos que as embalagens de retalho facilitam o manuseamento dos produtos, o seu transporte e até a forma que são expostos nas prateleiras. Mas são essas embalagens que, para além de outras, estão a causar poluição de plásticos no oceano.
A Lush está preocupada com o plástico no oceano. Simon Constantine, perfumista e responsável pela compra ética Lush, quer começar a produzir embalagens a partir de plásticos do oceano (embora a longo prazo, ele tenha uma aspiração ainda maior, e explica: “O objectivo da intervenção é parar toda a nova produção de plástico”. O que é, sem dúvida, um objectivo ambicioso).
Uma forma de acabar com as embalagens plásticas é vender produtos sem embalagens. A Lush chama a esta categoria de produtos “Naked” (produtos nus). Mas como podem os clientes comprar e transportar barras de sabonete sem embalagem, sem deixar as suas malas ou sacos com sabonete e perfume? Este foi o desafio que Simon lançou à sua equipa de compras em 2017.
Nick Gumery, comprador criativo de embalagens para Lush, questionou-se se a cortiça seria a solução. A cortiça é um produto natural, feito a partir da casca do sobreiro (Quercus suber). Tradicionalmente usado para fazer rolhas (por exemplo para garrafas vinho), a cortiça é de facto um material notável – antibacteriano, resistente ao fogo, resistente à água, flexível, forte, fácil de trabalhar; e no fim da sua vida útil, pode ser compostado. Extraída de uma árvore viva, a cortiça tem também uma capacidade excepcional de capturar o carbono, ajudando a mitigar os efeitos caóticos das alterações climáticas. Os cálculos da equipa sugerem que cada caixa Cork Pot retém mais de um quilo de gases de dióxido de carbono (e esta é uma estimativa muito conservadora). Em comparação com as caixas de alumínio, que libertam 9 kg de CO2 por cada kg de alumínio criado.
Assim nasceu uma embalagem regenerativa
Poderia a cortiça ser usada para fazer uma caixa reutilizável, na qual os produtos Lush sem embalagem poderiam ser transportados sem manchar e retendo todos os perfumes na caixa? O sonho de uma embalagem – não só sustentável, mas também regenerativa – havia nascido.
O sobreiro está presente apenas em redor do Mediterrâneo Ocidental e da Península Ibérica. A sua singularidade distingue-se por produzir cortiça, em parte como defesa contra a seca e como proteção contra incêndios florestais regulares que fazem naturalmente parte da ecologia da região. A maior parte da floresta de sobreiros encontra-se em Portugal e Espanha, com Portugal a produzir cerca de metade da cortiça total mundial (cerca de 340.000 toneladas).
A cortiça é extraída de cada árvore a cada 10 anos ou mais, o que lhes dá tempo suficiente para voltar a crescer após a sua extração. Ao contrário da maioria das operações florestais, a árvore vive após a colheita, pelo que o processo de colheita da cortiça pode ser comparado com a colheita de xarope de ácer, ou a poda de um salgueiro para fazer cestos. As árvores colheitas crescem ao ar livre (em paisagens que lembram savanas) e não numa floresta densa e esta característica criou uma paisagem mágica conhecida como o Montado em Portugal e a Dehesa em Espanha.
O ecossistema dos sobreiros, outras árvores, arbustos e áreas abertas de pastagem, é imensamente rico em fauna selvagem, assim como constitui a base da cultura alimentar da região. O porco ibérico – o lendário Porco Preto de Espanha – que pasta debaixo dos sobreiros. E a savana do sobreiro acolhe um dos mamíferos mais raros da Europa – o lince ibérico, bem como aves como a águia imperial-ibérica e a águia-calçada. Este ecossistema é também importante para as aves migratórias, que param para se alimentar durante a sua viagem de ida ou regresso às suas zonas de reprodução do norte, que incluem o Reino Unido.
Mas nas últimas décadas, os montados de cortiça têm sido ameaçados – com abandono, danos e conversão para outras utilizações do solo. Os proprietários de montados de cortiça começaram a cultivar o solo debaixo dos sobreiros na crença errada de que isto os faria crescer mais rapidamente (ao passo que, infelizmente, acelera a sua morte ao danificar repetidamente as suas raízes) e na crença de que isto reduziria o risco de incêndio.
Alguns montados foram destruídos e substituídos por árvores de crescimento rápido como os eucaliptos da Austrália. Outros foram convertidos em campos de cereais ou pastagem. Um grupo ambiental, Cork Connections, trabalha desde 2013 para restaurar uma área de montados de sobreiro de Portugal e assim, quando a equipa Lush decidiu explorar a possibilidade de substituir as embalagens de alumínio por cortiça, recorreu a esta organização para perguntar se esta poderia fornecer à Lush as tão desejadas Cork Pots.
A Cork Connections viu a possibilidade de criar um novo mercado para os produtos de cortiça e entendeu que a colaboração com a Lush poderia ser uma grande ajuda económica quer na criação de um novo negócio quer na gestão dos montados. Começando com cortiça de uma área de 400 hectares chamada Vale Bacias, a Cork Connections passaria a comprar a outros cinco proprietários de terras portuguesas. A Lush paga atualmente 5 euros à Cork Connections por cada caixa de cortiça, e este dinheiro é utilizado para apoiar a restauração ecológica dos montados de sobreiros e do seu ecossistema.
A Lush compra aproximadamente 35.000 caixas por ano à Cork Connections (um lançamento de Eco-Interventions), mas planeia aumentar este número para 500.000 caixas dentro de um ano. O interesse da Lush não se limita às caixas; queremos garantir que as caixas compradas são produzidas a partir de um montado que também está a ser restaurado. Por isso, compramos a um preço suficientemente elevado para cobrir o custo de um programa de restauração e regeneração.
A Eco-Interventions, através da sua empresa Cork Connections, fornece aos proprietários portugueses de montados de cortiça arbustos nativos para replantar onde outrora foram perdidos através do cultivo, mas apenas na condição de os produtores deixarem de cultivar e desistirem de utilizar fertilizantes ou pesticidas artificiais. E, até à data, os lucros da Lush ao lhes comprar caixas de cortiça permitiu que 20.000 arbustos fossem plantados nos últimos 12 meses, de volta ao montado de cortiça degradado.
A Lush reconhece que o transporte tem um grande impacto na credibilidade do seu produto, como sendo verdadeiramente regenerativo, pelo que a última parte desta história termina com uma viagem de veleiro. Em vez de transportar as caixas de cortiça de Portugal para o Reino Unido, a Lush recebeu a sua primeira encomenda de 6.000 caixas através de barco à vela. O SV Gallant atracou em Poole Harbour a 4 de Julho, transportando caixas de cortiça, sal de salinas portuguesas, algas marinhas irlandesas e letreiros feitos de eucalipto e madeira invasiva de pinheiro produzida a partir de outro projeto apoiado pela Lush, Verdegaia, que está a restaurar as plantações florestais de volta ao habitat nativo rico em vida selvagem. Falei com o promotor do projeto Nick Gumery a bordo do SV Gallant, enquanto percorríamos tranquilamente a ilha de Brownsea. (Ele tinha passado a manhã com o noticiário local da BBC TV, que cobriu a história, tal como o jornal local Bournemouth Echo).
Nick sabia que a imprensa poderia ser céptica e considerar que a viagem de barco à vela não era mais do que um truque publicitário. Porém, estariam errados. Ele queria testar as águas e ver se era realmente viável transportar mercadorias por barco e também porque a Lush precisa de transportar muitas matérias-primas e está à procura, e empenhada, em encontrar métodos mais sustentáveis para o fazer.
“É um teste sério de logística e faz sentido do ponto de vista comercial”, diz-me ele.
Nick gostaria igualmente que as pessoas deixassem de pensar que a Lush faz tudo por motivos de responsabilidade social, especialmente se for para influenciar a forma como outros negócios trabalham: “O negócio não vai mudar se for apenas solidário. A Lush está interessada no seu impacto mas também quer mostrar como um negócio ético pode ter lucros”.
É evidente ao falar com Nick, que a caixa de cortiça Cork Pot da Lush engloba, na palma de uma mão, os desafios que enfrentam os retalhistas e consumidores, que querem mudar as suas práticas comerciais e hábitos de consumo.
E quem sabe até iniciar a revolução das embalagens.
Miles King
Em Agosto de 2019, as caixas Cork Pot Lush obtiveram a certificação da Carbon Trust como um produto de embalagem de Carbono Neutro. A certificação verificou que cada caixa de cortiça de 35g retém mais de 33 vezes o seu peso em dióxido de carbono, removendo aproximadamente 1,2kg de CO2e da atmosfera. Esta captura de carbono é obtida através do crescimento do sobreiro, cuja cortiça é extraída como matéria-prima das caixas.
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